Uma breve história da polícia no Brasil


Uma Breve História da Polícia no Brasil de Flávio Tadeu Ege entre os mais vendidos pelo Clube de Autores desde a primeira edição.

1929. Racismo na Guarda Civil.



Em 1929, os idealizadores da recém instituída Guarda Civil de São Paulo viam na mestiçagem dos policiais um elemento de indisciplina e incapacidade operacional. Para a nova força policial paulista, este pensamento racista não era velado, como revela o edital de recrutamento para novos Guardas Civis daquele ano;


A Delegacia Regional de Polícia desta cidade recebeu da Chefatura de Polícia a circular de teor seguinte: “Senhor Delegado, solicito as vossas providencias no sentido de serem angariados neste município e apresentados nesta capital, na Guarda Civil, indivíduos que desejem alistar-se nessa corporação. Os candidatos deverão reunir as condições essenciais exigidas pelo respeitoso regulamento e que são; 1 metro e 72 centímetros de altura, no mínimo, saber ler e escrever, ter boa conduta, idade mínima 22 anos, preferindo-se homens robustos, maiores de 25 anos, de cor branca, de boa dentição e constituição física perfeita”. 
(Diário Nacional, 12/06/1929)



A nova instituição, nascida e idealizada no berço da elite dirigente do Estado bandeirante, traria antigos costumes da sociedade brasileira, especialmente o profundo preconceito em relação à população negra e mestiça. 





1926. A criação da Guarda Civil de São Paulo


Com a Força Pública empenhada em se constituir em um poderoso exército, criou-se um vácuo no policiamento urbano de São Paulo, no inicio dos anos 20 do século passado. Naquele período eclodiam greves, manifestações e grandes tensões sociais, tudo nas dimensões da metrópole; O que causava grande prejuízo à ordem pública de uma cidade com mais de 579.000 habitantes e que aspirava à modernidade.
Idealizada por militares, a Lei nº 2.141, de 22 de outubro de 1926 instituiu a Guarda Civil de São Paulo. A nova polícia seria a antítese da Força Pública, o garboso uniforme azul marinho, com detalhes dourados era nitidamente inspirado nos uniformes da Gendarmerie, força policial francesa com fortes características militares; apesar de institucionalmente, a Guarda Civil de São Paulo assumir influencias da Metropolitan Police londrina, a França continuava como referência nas questões relacionadas às armas.
A nova instituição paulista tinha uma atuação menos repressora, o que pode ser diagnosticado no primeiro regulamento da corporação, que recomendava entre outras coisas; o treinamento continuo; a manutenção da ordem em conformidade com o interesse geral; a apresentação pessoal impecável, realizar prisões com polidez policial, bem como conduta privada ilibada para que a função pudesse ter o respeito da população. Algo muito profissional até para os dias atuais.
Este conceito civil de polícia rapidamente difundiu-se por todo o país, e  após pouco mais de uma década já estava presente em 21 Capitais, num total de 9.242 policiais, sendo 2.589 somente em São Paulo.

Grandes personagens: O soldado da Força Pública.


O soldado da Força Pública, dadas as características da instituição, era muito mais um militar do que um policial, sua formação pautava-se basicamente em subordinação incontestável ao quadro de oficiais e adestramento com muita ordem unida; Tinha baixíssimo grau de instrução e era disciplinado com base em chicotadas, prisões e humilhações.
Este agente da lei estava pronto para a guerra, o que muitas vezes tornava sua atividade operacional de segurança pública truculenta e inadequada para a função. Vistos com desconfiança, eram pejorativamente chamados de "Cabeças de Broa"  pela população, devido à semelhança de seu quepe com este tipico produto das padarias de São Paulo.
Peça fundamental na manutenção do status de potência militar do Estado de São Paulo, seu respeito dava-se pela grandiosidade da instituição, em 1930 a Força Pública paulista contava com 14.224 homens, enquanto o Exército Brasileiro dispunha apenas de 3.675.


A Escola de Aviação da Força Pública.


Com o andamento da missão militar francesa, os anseios bélicos paulistas tornaram-se ambiciosos e romperam definitivamente com as necessidades policiais. Em Dezembro de 1913 a lei estadual 1395-A, criou a Escola de Aviação da Força Pública, nada menos que 28 anos antes da criação da Força Aérea Brasileira! 
Uma enorme provocação da província ao poder central, transformando a milícia de São Paulo em  um exército regular muito profissionalizado, mesmo em comparação ao Exército Brasileiro e as demais forças estaduais.


Revolta policial. Repetimos a história.

Recentemente, a tentativa da policia militar do Rio de Janeiro em decretar greve, demonstrou mais uma vez que a história parece cíclica quando o assunto é segurança pública; Em julho de 1831 a hierarquia também envergou e quebrou;

  O clima de agitação que vinha desde abril culminou, nos dias 12 e 13 de julho de 1831, com a sublevação, no Rio de Janeiro, do 26° batalhão de infantaria, apoiado, em seguida, pelo Corpo de Polícia. Aderiram à revolta os grupos populares ligados aos exaltados interessados numa reforma profunda da sociedade. Os revoltosos apresentaram as suas exigências: reforma democrática da Constituição; deportação de alguns senadores, militares e funcionários públicos nascidos em Portugal; suspensão da emigração portuguesa por dez anos; e exoneração do ministro da Justiça. (KOSHIBA, “e” PEREIRA, 1998, P. 136)

Naquela ocasião foi realizada a grande reforma na segurança pública orquestrada pelo regente Feijó; que descentralizou o aparato de segurança e extinguiu o antigo modelo.

Os motins de policiais que eclodem em todo o país revelam novamente que; povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la.  As greves no Rio de Janeiro e Bahia, vão além das revindicações salariais, elas nos apresentam o desprestigio histórico que o poder público tem em relação a seus agentes da lei. 
Recrutados nas camadas mais baixas da sociedade, estes homens lidam com tudo que a sociedade quer esconder, em troca recebem míseros salários, péssimas condições de trabalho e uma hierarquia militar totalmente inadequada para instituições policiais, atividade civil em todo o mundo.
Tal qual a revolta de 1831, outros setores aderem à causa dos motins, revelando a profunda necessidade de mudanças nas estruturas da sociedade brasileira, onde nosso modelo de segurança pública,  já não se adequa à democracia que aspiramos.

Quando a polícia distorce a história.

Para os militares  de São Paulo, golpe de Estado chama-se "revolução".
Mais uma vez a Secretária de Segurança Pública de São Paulo busca escrever a sua própria versão da história do país. Depois de elogiar e justificar o golpe civil-militar de 1964 – em razão “do combate contra a política sindicalista” do Presidente João Goulart – a secretaria de Estado de Segurança insiste em falar em “revolução” feita ao lado do povo e das Forças Armadas(e ocultas). Ao contrário, não há qualquer menção de que o Governo Jango foi democraticamente eleito e constituído, legitimado por um amplo plebiscito popular, e que cabia, se fosse ao caso, ao Congresso Nacional fazer oposição ao governo, indo, no limite, ao pedido de impedimento do presidente do país.
Mas, a polícia militar de São Paulo, ao contrário, acha que ela era mais sábia e possuía o poder (auto-outorgado) de fazer ou desfazer governos em face das tendências “sindicalistas” do presidente. Assim, com certo exagero, se parabeniza pelo golpe de 1964. É absurdo que uma instituição use recursos do Estado para justificar o descumbrimento da lei e da ordem constitucional do país. Não cabe, jamais, a qualquer instituição policial avaliar, julgar, por ou depor governos, sejam quais forem suas tendências. À ordem constitucional – o Congresso, os tribunais e seus despachos – cabe, conforme o rito constitucional, julgar governantes. A polícia cumpre ordens estabelecidas conforme as regras da constitucionalidade. O auto-elogio da página da SSP-SP é, desta forma, um claro desrespeito ao Estado democrático.
Como historiador posso entender no quadro da época – de graves tensões, de divisão da sociedade, de imaturidade política e de forte tradição de “pronunciamientos” militares – que esta fosse uma versão dos fatos – uma versão trabalhada, ferramentada e popularizada por uma mídia e por partidos e instituições de oposição. Embora seja inaceitável que se tenha erguido uma ditadura por esta razão, o argumento tinha sentido para uma parcela dos atores políticos brasileiros ao tempo da Guerra Fria e da extrema polarização social da época e pode convencer uma boa parte da opinião pública que então apoiou o golpe.
O que não faz sentido é que hoje, ainda, uma instituição do estado – não se trata de um ator social privado, mas de uma fala institucional, com dinheiro público – insista numa versão tão pobre e maniqueísta da história. Não cabe ao estado (ou “Estado”) e suas instituições, sobremaneira a Polícia, fornecer com recursos públicos uma versão da história que incentiva e justifica ações de violência contra a ordem constitucional do país.
Já era tempo do governo do estado aconselhar os militares de São Paulo – hoje notórios pelas ações de repressão na área da Cracolândia e pela brutalidade cega e estéril em Pinheirinhos – a deixar a história para os historiadores, afinal (parodiando Clemenceau!) a história é um assunto muito sério para ser escrita por militares.
Devemos lembrar que a SSP de São Paulo possui um histórico institucional tremendamente negativo – desde a invasão da PUC em 1977, o cerco da reunião da SBPC na USP em 1978 até chacinas como do Carandiru, em 1992. A insistência em não rever e debater sua própria história, convidando instituições da sociedade civil, especialistas em história da República e das suas instituições (incluindo aí ótimos trabalhos sobre história da polícia no Brasil já existentes) e seus próprios funcionários demonstra como a polícia de São Paulo quer ser um corpo autônomo na sociedade democrática, não aceita a transparência e apega-se a um passado golpista e liberticida, mantendo-se à margem da democratização da sociedade.
Por Francisco Carlos Teixeira, na Carta Maior

1906 - A Missão Militar Francesa.

A missão militar francesa transformou a polícia paulista em uma potencia militar.
Parte da cultura de caserna brasileira é herança da Missão Militar Francesa contratada pelo governo paulista no inicio do seculo XX. A missão tinha objetivos muito específicos, como; disciplinar, militarizar e moldar a cultura da Força Pública com "metodos modernos de guerra", para dar a instituição a capacidade de intimidar militarmente o governo federal.

Para as elites paulistas daquele período, a força armada idealizada  por Tobias de Aguiar, não fora concebida para ser uma polícia, ela deveria se estruturar como um exército, o que foi cumprido com rigor pelo comandante da missão, o Coronel francês Paul Balagny, um oficial de artilharia pesada com ampla experiência em combate na Tunísia, Argélia e Indochina, que estabeleceria uma formação focada no combate de guerra, muito agressiva e intimidadora.

Iniciada em março de 1906, a missão militar francesa trouxe avanços no campo operacional, nos ritos de hierarquia e disciplina,  no preparo físico da tropa e na cultura do oficialato, transformando a Força Pública de São Paulo em um exército regional com alto grau de profissionalismo. Referência para todo o país.

Um grande negócio chamado $egurança Pública.


Quando a lógica capitalista da economia politica, se instalou na industria militar após a segunda grande guerra, e se tornou um dos negócios de ouro dos senhores das armas espalhados pelo mundo. O Estado e industria bélica formaram uma bem sucedida sociedade comercial, que no Brasil encontrou um mercado promissor.
A insignificante industria, do ponto de vista de sua participação percentual na produção industrial do país, como a industria de armas, munições, bombas, coletes, viaturas e até helicópteros, que escoa sua produção nas polícias, aumenta sua demanda na mesma proporção em que cresce a violência e a criminalidade; Assim, além de encontrar um mercado altamente lucrativo, coloca toda a sociedade neste processo fabril desumano, que com recurso público sustenta  luxos e  regalias.
As forças de segurança pública e a lógica militar de combate que se implantou na guerra às drogas e ao "crime organizado", transformaram a sociedade brasileira e a segurança pública em um grande negocio público/privado, onde a morte por arma de fogo de mais de 50.000 pessoas por ano, e as bombas que explodem nas desocupações e confrontos, são apenas um resíduo de produção desta industria, cujo nicho de mercado é a violência e o medo, colocando o Brasil e seu povo em guerra por uma única causa; O lucro.



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